Denúncia de racismo durante aula em universidade de SC mobiliza PM e expõe problema ‘enraizado’

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Polícia Militar interrompeu a aula e B.O foi feito; Furb se manifestou.

A denúncia de um caso de racismo durante a aula na Furb (Universidade Regional de Blumenau) mobilizou a PM (Polícia Militar) e expôs um problema ‘enraizado’ na cultura brasileira, e não por isso menos grave. A situação ocorreu na noite desta segunda-feira (3), envolvendo alunos do curso de Educação Especial.

Segundo o advogado da vítima, Marco Antonio André, tudo partiu de uma discussão acadêmica sobre termos racistas que ocorreu em grupo de aplicativo do curso. Uma aluna preta se sentiu ofendida com as expressões que estavam sendo usadas no grupo, em especial de uma outra estudante.

Durante a aula na noite desta segunda-feira (3), este assunto voltou à tona. A vítima tentou explicar o motivo de se sentir ofendida com a expressão, mas teria sido repreendida pelos próprios alunos. Segundo o advogado, “parte da sala de aula, de forma muito agressiva, de forma muito ostensiva, não deixava a vítima se expressar dizendo por que ela se sentia ofendida com tais termos racistas”, afirma.

A discussão, segundo o advogado e PM (Polícia Militar), se referia à expressão “nega maluca”, se referindo ao bolo de chocolate. O termo, embora ‘enraizado’ culturalmente, possui essência etimológica racista e pejorativa. Os ânimos se exaltaram, e de acordo com a defesa, a vítima ligou, em síncope emocional, pedindo ajuda. Nesse momento a polícia foi acionada.

Quando a PM chegou ao local, os ânimos estavam exaltados. Segundo os policiais, a suposta agressora disse que não teve intenção de dolo. “Foram ouvidas diversas testemunhas, de ambas as partes, e todas relataram que a fala não foi direcionada a pessoa da possível vítima, e sim no sentido de colocar em discussão um termo usualmente utilizado em nosso cotidiano. A aluna relatou que não teve dolo em utilizar o termo “nega-maluca” durante a explanação em sala, que apenas quis levar o assunto para discussão construtiva entre os alunos do curso”, o relatório descreveu.

A PM afirmou que não prendeu a pessoa em flagrante por não ter identificado a “materialidade do delito”, já que o relato das partes e das testemunhas “não tinham em sua substância indícios suficientes de autoria e materialidade do delito”. Dessa forma, foi confeccionada Comunicação de Ocorrência Policial para que a Policia Judiciária investigue.

Termo racista ‘enraizado’

O termo “nega maluca”, assim como diversos outros, está enraizado na cultura brasileira. “Mas assim como toda raiz ela precisa ser arrancada, ainda mais quando ela é daninha, quando faz mal. Então como vários outros termos racistas que estão enraizados na nossa cultura, esse termo “nega maluca” também precisa ser retirado na nossa Língua Portuguesa”, ressalta o advogado e militante de Direitos Humanos.

Além do termo, existem outras expressões que não devem ser utilizadas e que se referem aos pretos de maneira pejorativa. Como, por exemplo, o termo “fazer nas coxas”, que se refere a escravas que produziam telhas nas coxas, ou então “mulato”, uma denominação destinadas a escravos que eram utilizados como mulas de carga. “É muito perigoso isso, quando a gente continua usando esses termos”, ressalta Marco.

Alunos preparam manifestação

Alguns acadêmicos da Furb compartilharam na internet imagens do tumulto e mobilização após a denúncia de racismo. A situação gerou comoção, e uma manifestação está marcada para esta tarde. Será a partir das 18h15, no pátio em frente à biblioteca. Os organizadores pediram para os manifestantes usarem roupas pretas.

Furb se manifesta

A Furb (Universidade Regional de Blumenau) publicou na manhã desta terça-feira (4) uma nota de repúdio lamentando o ocorrido e dizendo que irá instaurar sindicância para investigar internamente e punir autores de discriminação e racismo. Leia abaixo na íntegra.

“A Universidade Regional de Blumenau, como espaço plural, democrático, de discussão de ideias e construção de conhecimentos não ite atos de discriminação e racismo, e acredita que os mesmos devam ser punidos com o rigor da lei. Para tanto, também dispõem de regulamentos próprios que permitem investigar, avaliar e responsabilizar eventuais infratores, e lançará mão de todos os recursos disponíveis a fim de coibir atos de racismo em seus campi.

Trabalhamos em ações contra o preconceito racial por meio de grupos de pesquisa, projetos de extensão e atividades de ensino. Valorizamos profundamente o conceito de igualdade, traduzido em 2010, pela Lei nº 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial, legislação que visa garantir que a população negra tenha seus direitos assegurados efetivamente e prevê a defesa dos diretos étnicos e o combate à discriminação e à intolerância étnica.

Adicionalmente, somos a única universidade do sul do Brasil envolvida na Cátedra UNESCO, Educação Superior e Povos Indígenas e Afrodescendentes na América Latina, que visa a realização de ações de enfrentamento junto à comunidade acadêmica sobre questões raciais. Na noite da última segunda-feira (03), ocorreu um fato lamentável em sala de aula entre estudantes.

No entendimento de sua responsabilidade comunitária, a FURB prontamente iniciou um processo de sindicância para apuração interna do caso que objetiva a plena investigação dos fatos. O resultado da sindicância permitirá que ações sejam tomadas no âmbito interno. A Universidade de Blumenau, hoje e sempre, adotará todas as medidas necessárias na luta contra todos os tipos de preconceito. A FURB manifesta seu repúdio ao preconceito e ao racismo. Uma vez mais, destaca-se que não mediremos esforços na devida investigação e devida aplicação de penalidades”

*A reportagem tenta contato com a defesa da suposta autora do ato criminoso. O espaço está aberto.

Fonte: ND Mais